02 janeiro 2011

Colomba na Natureza

Colomba na Natureza

"E já que estamos falando de vegetais bucólicos, vem a calhar a história verídica de uma amiga cujo nome tenho de omitir, porque senão ela me mata. Digamos que se chamava Colomba. Naquele momento ela era uma jovem rubicunda, de abundantes carnes rosadas e sardentas, com longa cabeleira dessa cor ruiva que Tiziano fez entrar na moda no Renascimento, e que hoje pode ser obtida em frascos. Seus delicados pés de ninfa mal sustentavam as grossas colunas de suas pernas, suas nádegas tumultuosas os perfeitos melões de seus peitos, seu pescoço com dois papos sensuais e seus redondos braços de valquíria. Como acontece muitas vezes nestes casos, minha roliça amiga era vegetariana. (Para evitar a carne, essa gente se enche de carboidratos.) Colomba tinha um professor de artes na universidade que não podia desgrudar a vista dela, loucamente apaixonado por sua pele de mangas e outras que ele imaginava no tormento de suas noites insones no leito matrimonial, junto a uma esposa alta e seca, uma daquelas mulheres distintas cuja roupa sempre cai bem sobre os ossos. (Eu as detesto) O pobre homem pôs seus conhecimentos a serviço de sua obsessão e tanto falou a Colomba de O rapto das sabinas, de Rubens, de O beijo, de Rodin, de Os amantes, de Picasso, e de A banhista, de Renoir, leu-lhe em voz alta tantos capítulos de O amante de lady Chatterley e colocou sobre seu colo tantas caixas de bombons que ela, que não deixava de ser mulher, finalmente aceitou seu convite para um almoço campestre. Pode haver algo mais inocente que isso? Ah, mas o professor não era pessoa capaz de deixar passar uma ocasião como aquela. Traçou seus planos como se fosse Maquiavel. Deduziu que ela nunca aceitaria acompanhá-lo a um hotel na primeira saída e que talvez não houvesse uma segunda: tinha que jogar suas cartas de forma magistral. Contava apenas com uma Citroneta, um desses carrinhos de latão pintado que a França coloco ao alcance da classe média nos anos 60, um veículo que mais parecia um cruzamento de lata de biscoitos e cadeira de rodas, onde só um contorcionista anão poderia fazer amor. Seduzir uma pessoa do tamanho de Colomba em uma Citroneta teria sido totalmente impossível. O piquenique oferecia uma solução romântica e prática ao mesmo tempo. Sua estratégia consistia em atacar as defesas da aluna pelo seu lado mais fraco: a gula. Com mil pretextos e circunlóquios averiguou os pratos favoritos da amada e, sem se desanimar pelo fato de ela ser vegetariana, encheu uma cesta primorosa com guloseimas afrodisíacas: duas garrafas do melhor vinho rosado bem frio, ovos duros, pão camponês, quiche de cogumelos, salada de aipo e abacate, alcachofras cozidas, milho verde assado, frutas aromáticas da estação e todo tipo de doces. Caso precisasse de recursos extremos, levava, como reforço, uma lata pequena de caviar beluga, pela qual tinha pago o salário de uma quinzena, um vidro de castanhas em calda e dois cigarros de maconha. Homem meticuloso – do signo de Virgem – também levou um travesseiro, um cobertor e um repelente de insetos.

Colomba o esperava em uma esquina da praça dos Libertadores, toda vestida de musselina branca, coroada por um chapéu de palha italiana enfeitado com um largo laço de seda.
De longe parecia um veleiro, e de perto também. Ao vê-la, o professor sentiu desaparecer o peso dos anos, a lembrança da distinta esposa e o temor das consequências; nada existia neste mundo exceto aquela carne deliciosa envolta em musselina, que tremia com cada movimento, provocando-lhe uma luxúria selvagem cuja existência até ele ignorava. no fim das contas, era um acadêmico, um homem de letras, um estudioso da arte, um marido, um teórico. Até aquele momento não sabia nada de luxúria. A duras penas Colomba subiu na frágil Citroneta, que se inclinou perigosamente; por um momento pareceu que as rodas tinham se enterrado para sempre no asfalto, mas depois de umas quantas sacudidas o nobre veículo começou a andar e se dirigiu para fora da cidade. Pelo caminho falaram de arte e de comida, mais do segundo que do primeiro. E assim, embevecidos com a conversa e com aquele esplêndido meio-dia, por fim chegaram ao lugar que o professor escolhera, um belo campo com grama verde junto a um riacho rodeado de salgueiros. Era um lugar solitário, sem outras testemunhas de seus amores a não ser os pássaros nos galhos dos salgueiros e uma vaca distraída que mastigava flores a certa distância. O professor saltou da Citroneta e Colomba, com certa dificuldade, também desceu. Enquanto ele, diligente, esticava o cobertor à sombra, ajeitava o travesseiro e retirava os tesouros da cesta, sua aluna tirava os sapatos e dava pulinhos medrosos à beira do arroio. Era uma visão encantadora.

O professor, não demorou muito para instalar Colomba sobre o cobertor, semi-reclinada no travesseiro, estendendo sobre ela o delicioso conteúdo da cesta. Serviu vinho para refrescá-la, tirou a casca de um ovo duro, que ela logo começou a morder, e começou a brincar com os dedos gorduchos da moça, enquanto recitava:

Este menininho comprou um ovinho, este menininho o descascou, este colocou sal, este menininho o misturou e este porquinho gordinho o comeu!

Colomba retorcia-se toda, morrendo de rir, e o professor, estimulado por isto, começou a lhe oferecer, uma após outra, todas as folhas de uma alcachofra; depois de ela ter comido duas inteiras, ofereceu-lhe o quiche de cogumelos e depois os morangos e os figos e as uvas, sem parar de tocá-la por aqui e por ali e de lhe recitar, suando de impaciência, os mais apaixonados versos de Pablo Neruda. A cabeça de Colomba girava por causa do sol, do vinho, dos versos e do cigarrinho de maconha que ele acendeu logo que os últimos grãos de caviar terminaram, diante do olhar impávido da vaca, que tinha se aproximado do local. neste momento apareceram as primeiras formigas, que o professor esperava com ansiedade: era o pretexto que necessitava. Garantiu a Colomba que, atrás das formigas, apareciam inevitavelmente abelhas e mosquitos, mas que ela não devia ficar com medo, porque tinham trazido o líquido repelente. No entanto, não queria manchar seu belo vestido de inseticida... Por acaso não se lembrava da célebre pintura impressionista Déjeuner sur l'herbe, esse piquenique em que as mulheres apareciam nuas e os homens vestidos? Não, Colomba não sabia de que estava falando, de modo que ele teve de descrevê-lo em todos os detalhes, aproveitando para abrir um por um todos os botões do vestido de musselina. Resumindo, digamos que logo depois Colomba estava despojada de seus véus e o sol acariciava as líquidas colinas de seu corpo voluptuoso. Com os dedos, ela colocava na boca os confeitos de castanhas, sem se preocupar com o fio de calda que escorria do seu queixo aos seios, fio que o professor olhava desorbitado, ofegante, até que não pôde resistir mais e lançou-se sobre essa montanha de carne luminosa e palpitante, disposto a lamber o doce e tudo o que estivesse a seu alcance, arrancando a roupa atabalhoadamente, como se estivesse possuído, até ficar nu também. Colomba se retorcia de cócegas, morria de rir – nunca vira um homenzinho tão magro e peludo, com um pepino tão atrevido abaixo do umbigo – mas não abria as pernas, ao contrário, defendia-se com empurrões sedutores que, vindo dela, pareciam verdadeiras trombadas de elefante. Finalmente conseguiu desvencilhar-se do torpe abraço do professor de arte e começou a correr, provocando-o e rindo, como essas mitológicas criaturas dos bosques, que sempre aparecem acompanhadas por faunos. E fauno parecia o professor, tentando alcançá-la.

Enquanto isso a vaca, que não era vaca mas touro, decidiu que chegava de chacota e começou a trotar atrás dos namorados que, para fugirem da investida daquele enorme animal, saíram correndo como almas levadas pelo diabo a buscar refúgio em um bosque próximo.

Haveriam de passar muitas horas até o touro se afastar o suficiente para que os desafortunados excursionistas, trêmulos e nus, pudessem regressar. O efeito da maconha, do vinho, das cócegas e da comida tinha se desvanecido há muito tempo. Colomba, histérica, proferia insultos e ameaças, enquanto o professor, aterrado e escondendo o pepininho murcho com as duas mãos, tentava inutilmente tranquilizá-la com versos de Rubén Darío. Ao chegarem ao local do piquenique, perceberam que tinham roubado toda a sua roupa e também a Citroneta. Junto ao salgueiro onde trinavam os passarinhos, restava apenas o chapéu de palha italiana..."


in: ALLENDE, Isabel. Afrodite, pág. 201-205

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