12 janeiro 2011
Spam
"Eu como Spam americano. Muito tempo depois, guardo as latas abertas com uma chave para transformá-las em navios de guerra que pinto cuidadosamente de cinza. A pasta rosa que essas latas contêm, envolta em gelatina, meio com gosto de sabão, me enche de felicidade. Seu cheiro de carne fresca, a fina película de gordura que o patê deixa em minha língua, que me forra o fundo da garganta. Para os outros, mais tarde, para aqueles que não conheceram a fome, esse patê deve ser sinônimo de horror, de comida de pobre. Vinte e cinco anos depois reencontrei-o no México, em Belize, nas lojinhas de Chetumal, de Felipe Carrillo Puerto, de Orange Walk. Por lá ele se chama carne del diablo, carne do diabo. É o mesmo Spam, em sua lata azul ornada com uma imagem que mostra o patê em fatias sobre uma folha de alface.”
Spam, no caso, é a abreviação de SPiced hAM, “presunto temperado”, realmente uma junk food das mais pavorosas fabricada nos Estados Unidos pela Hormel décadas atrás e que, segundo vejo agora, voltou ao mercado. No Brasil, foi (é ainda?) comercializado pela Swift, também naquela lata, como diz o personagem de Le Clézio, que se abria girando uma chavinha – quem se lembra disso? Divertido o suficiente para ficar na memória de uma criança, como eu era, então."
de Bravo online
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