“Uma noite, por exemplo, os
tanques do gigantesco país vizinho tinham invadido o país. Isso tinha sido um
choque tão grande, um pavor tão grande que durante muito tempo ninguém pôde
pensar em outra coisa. Era o mês de agosto, e as peras estavam maduras no
jardim deles. Uma semana antes, mamãe havia convidado o farmacêutico para ir
colhê-las. Mas o farmacêutico não tinha ido e nem ao menos tinha apresentado
desculpas. Mamãe não podia perdoá-lo por isso, o que punha Karel e Markéta fora
de si. Eles a censuravam: todo mundo está pensando nos tanques e você fica
pensando nas peras. Depois eles se mudaram, com a lembrança dessa mesquinharia.
Só que seriam os tanques
realmente mais importantes do que as peras? À medida que o tempo passava, Karel
compreendia que a resposta para essa pergunta não era assim tão evidente como
ele sempre pensara, e começava a sentir uma simpatia secreta pela perspectiva
materna, em que havia uma grande pera em primeiro plano e, em algum lugar,
longe, atrás, um tanque do tamanho de uma joaninha, que ia voar de um minuto
para o outro e esconder-se dos olhares. Ah, sim! Na realidade, é mamãe quem tem
razão: o tanque é perecível e a pera, eterna.”
in: KUNDERA, Milan. O Livro do Riso e do Esquecimento. São
Paulo: Círculo do Livro. 1978 pág 31
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