19 setembro 2015

Todos os Nomes

        “A mulher perguntou, Sente-se mal, Sr. José, quer um copo de água, Estou bem, não se preocupe, respondeu ele, envergonhado do impulso maldoso, Vou-lhe fazer um chá, Não é preciso, muito obrigado, não quero incomodar, nesta altura o Sr. José já se sentia mais rasteiro e humilhado do que o pó da rua, a senhora do rés-do-chão saíra da sala, ouvia-a mexer em louças na cozinha, passaram alguns minutos, primeiro que tudo há que ferver a água, o Sr. José lembra-se de ter lido em qualquer parte, provavelmente numa das revistas donde recortava retratos de pessoas célebres, que o chá deve ser feito com água que ferveu mas já não ferve, podia ter-se contentado  com o copo de água fresca, mas a infusão vai-lhe cair muito melhor, toda a gente sabe que para levantar o ânimo descaído não há nada que chegue a uma chávena de chá, dizem-no todos os manuais, tanto do oriente como do ocidente. A dona da casa apareceu com o tabuleiro, trazia também um pratinho de bolachas, além do bule, das chávenas e do açucareiro, Nem lhe perguntei se gostava de chá, só pensei que nesta altura seria preferível ao café, disse, Gosto de chá, sim senhora, gosto muito, Quer açúcar, Nunca ponho, de repente ficou pálido, a suar, achou que devia justificar-se, Devem ter sido ainda os restos duma gripe que apanhei, Nesse caso, se eu tivesse chegado a telefonar, o mais certo seria não o encontrar na Conservatória Geral, teria mesmo de contar ao seu chefe o que se passou comigo. Desta vez o suor apenas humedeceu as palmas das mãos do Sr. José, mas ainda assim foi uma sorte estar a chávena em cima da mesa, segurasse-a ele naquele momento que a porcelana teria ido parar ao chão, ou derramar-se-ia o chá escaldante nas pernas do aflito auxiliar de escrita, com as consequências óbvias, imediatamente a queimadura, depois o regresso das calças à lavandaria. O Sr. José colheu uma bolacha do prato, deu-lhe uma dentada lenta, sem gosto, e, disfarçando com o movimento de mastigação a dificuldade com que lhe saíam as palavras, conseguiu formar a pergunta que tardava, E que informação era essa que tinha para me dar. A mulher bebeu um pouco de chá, estendeu a mão hesitante para o prato das bolachas, mas não concluiu o gesto. Disse, Recorda-se de eu lhe ter sugerido, no fim da sua visita, quando já se ia a retirar, que procurasse na lista telefónica o nome da minha afilhada, Recordo-me, mas preferi não seguir o seu conselho, Porquê, É muito difícil de explicar, Com certeza terá tido as suas razões, Dar razões par ao que se faz ou se deixa de fazer é o que  há de mais fácil, quando percebemos que as não temos ou não as temos suficientes tratamos de inventá-las.”


In: SARAMAGO, José. Todos os Nomes. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, pags 189-190



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