19 março 2021

Mercúrio mutável

 

No momento leio um livro recheado de hashtags. Yep, um livro impresso, sem link para hipertexto, e as hashtags estão lá. Cada vez que a leitura passa por uma há de verdade uma janela que se abre.  Até agora por todas entrou uma luz, como quando uma cortina abre com o vento.
Cada vez funciona como um convite para adicionar uma ideia/imagem/definição da palavra destacada, ou buscar o que outros adicionaram, mas no livro é impossível, então essas janelas se abrem a um espaço infinito. Cada palavra é work in progress. E por mais que a gente saiba que toda palavra é assim, e que todas as palavras de todos os livros são completadas pelo leitor, a autora deixa escancarado que a linguagem não é fixa e que ela é formada com cada contribuição que a gente faz no dia a dia.
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Mercúrio passa do fixo Aquário para o mutável signo de Peixes e mesmo em queda, exilado, consegue abraçar as nuances das línguas. Ele se junta ao Sol e à Vênus exaltada e combusta e mergulha no oceano do internetês e de tudo mais, assim como sempre esteve nas ruas, nas biroscas, nos rolês. Passa a prestar contas a Júpiter que tem mais colo e coração para abraçar mais palavras e trejeitos do que Saturno está disposto a fazer.
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A Lua só bota mais vento nesse vendaval pois se jubila em Gêmeos na terceira casa do mapa da lunação; pega tudo o que ouve, joga pra Mercúrio seu dispositor, e Mercúrio acata mesmo que não mostre pra nós o que gesta ali na casa 12 (do mapa da lunação).
Uma das imagens da casa 12 é a gestação. Em Peixes, a casa 12 que seria apenas uma fatia de 30 graus da circunferência do mapa perde fronteiras, torna-se mais infinita como a 12 já é. É como a hashtag extrapolando a relação da palavra com o leitor.
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O escritor é o pai, ele coloca a semente, e o leitor é a mãe, que recebe a semente e gesta, e assim cada leitor gera um livro.
Esqueci quem disse isso, se vocÊ souber me dá um alô por favor. É lindo, não?
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Com a comida acontece igualzinho.
Cada ingrediente tem uma abertura para inúmeras hashtags, e aí entra de tudo: gostos, afetos, traumas, símbolos. Cada pessoa que olha esse cogumelo tem um cogumelo diferente baseado em tudo que já aprendeu sobre cogumelos, sobre os cogumelos que comeu e sobre os desenhos de ficção científica que ele parece ser um personagem.
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Para comer o céu do mês, inclusive o mapa do ingresso solar do sábado, dá uma olhada no Catarse do DÔ:
https://www.catarse.me/gastronomicas


 

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