24 novembro 2014

Zorba o grego



Tio Anagosti, o Velho, os saúda e pergunta se Vossas Senhorias teriam prazer em vir até sua casa para uma refeição. O açougueiro vai castrar os porcos; Kyra Marulia, a mulher do velho, cozinhará as partes. Celebrar-se-á também o aniversário de seu neto Minas, que é hoje.
É um prazer entrar na casa de um camponês cretense. Tudo que lá existe é patriarcal: a lareira, a lamparina de óleo, os jarrões alinhados contra a parede, uma mesa, algumas cadeiras e, à esquerda da entrada, num buraco aberto no muro, o barril de água fresca. Dos travões que sustentam o teto pendem vasos achatados com plantas aromáticas: salva, hortelã-pimenta, salsa, romarinho. (...)
No fundo do jardinzinho, num pequeno cercado, o porco castrado gritava de dor, e nos ensurdecia. Da lareira chegava-nos o aroma de suas partes, que estavam sendo assadas na brasa.
Falávamos das coisas eternas: dos cereais, das vinhas, da chuva. (...)
– Deus é grande, tio Anagnosti – disse Zorba, no ouvido do velho. – Deus é grande... mas nós somos pequenos!
O velho notável franziu a testa.
– Espere aí, não o maltrate assim, amigo – disse ele com severidade. – Não o maltrate assim! Êle também conta conosco, coitado!
Nesse momento, silenciosa, submissa, apareceu a mãe Anagnosti trazendo num prato de barro as partes do porco e um jarrão de cobre com o vinho. Pousou sobre a mesa o que trazia, ficou em pé, cruzou os braços e abaixou os olhos.
Eu sentia repugnância em provar esse prato, mas, por outro lado, tinha vergonha de recusar. Zorba olhou-me como canto dos olhos e sorriu maliciosamente.
– É a carne mais saborosa que existe, patrão – afirmou. – Prove para ver.
O velho Anagnosti deu um sorriso.
– É isso mesmo, é isso mesmo; prove para ver. Parecem miolos! Quando o Príncipe George passou pelo mosteiro, lá no alto da montanha, os monges haviam preparado um banquete real com pratos de carne para todos. E para o Príncipe havia apenas um prato de sopa. O Príncipe pega a colher e mexe a sopa: “Ervilhas? Ele pergunta surpreso. Ervilhas?” – “Coma, meu Príncipe, disse-lhe então o velho abade. Coma e depois falaremos.” O Príncipe prova uma colher, duas, três, raspa o prato e se delicia. “O que é essa maravilha? Disse ele. Que ervilhas deliciosas! Parecem miolos!” – “Não são ervilhas, Príncipe, responde o abade. Não são ervilhas. É que nós fizemos castrar todos os galos das redondezas!”
Rindo, o velho espetou com o garfo um pedaço das partes do porco.
– Um prato de Príncipe! – disse ele. – Abra a boca.
Abri-a, e ele serviu-me uma garfada.
Encheu de novo os copos, e bebemos à saúde de seu neto. Os olhos do avô brilharam.
– Que deseja que seu neto venha a ser, tio Anagnosti? – perguntei-lhe. – diga-o, para que nós também o possamos desejar.
– Que posso eu querer, meu filho. Eh! Que ele tome o bom caminho, que se torne um homem honrado, um bom chefe de família, que tenha também seus filhos e netos, e que uma dessas crianças se pareça comigo. Para que os velhos digam ao vê-lo: ‘Olhe só, como ele se parece com o velho Anagnosti! Que ele repouse em paz, foi um bom camarada!’
– Marulia – disse ele sem olhar para sua mulher. – Marulia, vá encher o jarrão de vinho.
Nesse momento, sob um empurrão mais forte, a porta do cercado se abriu e o porco precipitou-se pelo jardinzinho grunhindo.
– Sente dores, pobre animal... – disse Zorba com pena.
– É claro que tem dores! – gritou o velho cretense, rindo-se. – Se fizessem a você o que fizeram a ele, não sentiria dor também?
Zorba bateu na madeira.
– Isola, velho danado! Murmurou ele apavorado.
O porco ia e vinha diante de nós, olhando-nos furioso.
– Por minha fé, parece que ele sabe que estamos comendo pedaços dele! – disse ainda o tio Anagnosti, a quem o vinho havia inspirado.
Mas nós, tranquilamente, satisfeitos, comíamos como canibais, bebendo o vinho vermelho, e olhávamos entre as folhas prateadas da oliveira, o mar todo cor-de-rosa ao sol do poente.”

In:  KAZANTZAKIS, Nikos. Zorba, o Grego. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 2ª edição. pag 54-58

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