DÔ - G’astronômicas
Risoto de funghi com verdura amarga
Ervilha torta salteada em Marte em Áries
Conserva do Escorpião
Goiabada de boa qualidade
Todos os meses a Lua encontra o Sol marcando o começo de um novo ciclo. O
movimento dela é bem mais rápido; enquanto o Sol demora um ano para dar a volta no
zodíaco, a Lua voa. Para alcançar novamente o Sol, normalmente no signo seguinte,
ela leva 29 dias.
Nós estamos familiarizados com a ideia das fases da Lua e sua influência sobre
as águas do mundo.Aqui vamos pensar nesse pulsar da seguinte maneira: quando a
Lua encontra o Sol nós não a vemos refletir sua luz, porque estão perto demais. Este
momento traz possibilidades que ainda não podemos ver, é como a semente debaixo
da terra. À medida em que ela se afasta do Sol vemos seu corpo se enchendo de luz, o
mundo reflete os humores da lunação, noite após noite até que fica cheia, com toda a
sua face iluminada, e a partir daí seu ímpeto diminui e ela começa a se recolher, os
humores do mundo minguam junto; por aqui fazemos os balanços de todo este ciclo
que foi anunciado por aquele encontro, pelo mapa gerado por ele e, aqui, por uma
refeição. Até que se repita o encontro e um novo banquete comece.
O próximo ciclo de lunação terá início na madrugada do dia 15, às 2.07h,
quando a Lua encontra o Sol no signo do Escorpião.
No Brasil o signo que ascende neste momento é Virgem indicando a atenção
aos processos, repetidos e melhorados a cada ciclo, como na agricultura. O seu
dispositor Mercúrio está com os luminares, a uma distância dita heliacal. Ele não está
tão perto do Sol a ponto de queimar as asas mas perto o bastante para ficar
iluminadíssimo e assim trará a luz da nova lunação até mesmo antes dos luminares
aparecerem no céu.
No dia 15, um pouco antes do nascer do Sol nascerá Mercúrio, brilhante. É ele quem
anuncia o novo ciclo.
É um ciclo de luta, Mercúrio avisa refletindo o brilho das armas do Sol.
O encontro acontece na casa 3, a que dá à Lua a dignidade chamada júbilo. A
Lua se refere ao nosso corpo, nutrição, memória; também é significadora do povo em
mapas mundanos. Além de jubilada estará em queda, pois em Escorpião.
Uma situação que lembra os Victory Gardens, os Jardins da Vitória, incentivados
largamente durante a Segunda Grande Guerra. “Durante a maior parte da história humana, o alimento foi literalmente o combustível da
guerra.” (Tom Standage. Texto em anexo)
Portanto, desde o início do conflito, em alguns países os jardins das casas foram
transformados em hortas. Os Jardins da Vitória são um grande trígono entre o
Ascendente em Virgem e Júpiter e Saturno em Capricórnio, trabalhando a multiplicação
na escassez, buscando a nutrição no racionamento.
Leis de racionamento foram impostas na Inglaterra logo no começo do conflito,
promovendo a igualdade da distribuição dos produtos que estavam disponíveis. As leis
são de Júpiter que, em queda, busca novas maneiras de operar.
Logística não será um problema.
Mercúrio, dispositor do Ascendente, está numa situação de muita clareza. Ele
mesmo disposto por Marte forte, em uma casa onde as decisões a tomar se referem a
questão de vida e morte de populações inteiras.
Mercúrio recentemente foi abençoado pelo Sol, neste mesmo signo onde ele é
assertivo e objetivo.
Este não será um período de se deixar levar com a maré. Mente afiada, vamos
seguindo sem desperdício de energia.
Nós mesmos temos nos sentido um tanto peregrinos, talvez. Nos últimos meses
moramos na internet - na casa 3 por sinal -, onde as fronteiras de espaço não existem;
estamos, como Mercúrio, em muitos lugares.
Mas voltemos ao jardim porque é preciso esticar as pernas!
Lá estão Lua e Mercúrio, os dois significadores da cognição no mesmo signo, se
entendendo.
Através de Mercúrio - mental, ansioso - o novo trabalho de cultivo do jardim,
assim como no eficiente desses vegetais quando forem para a cozinha, são ensinados
por quem já conhece o processo, a via mercurial é entender como as coisas funcionam.
Parentes e vizinhos experientes ensinam nesse mutirão coisas que eles mesmos
aprenderam e que passam de geração em geração nessa comunicação de casa 3.
Todos aprendem também pelos almanaques distribuídos à população, sobre plantio,
sobre economia doméstica. Também o rádio passou a veicular programas como o
Kitchen Front, da BBC, que dividia receitas adequadas à situação e aos ingredientes
disponíveis. O tom marcial estava presente na comunicação, como por exemplo
neste almanaque.
Não é só Mercúrio que ensina. Aprende-se também pela via lunar, pelo
reconhecimento da vida nos talinhos das verduras, a textura da terra, e uma memória
sobre estes ciclos agrícolas que a gente tem guardada em algum lugar; aprende-se
também pelos movimentos do corpo da cozinheira, pelos cheiros...
Vênus diria sobre os sons e a música que os movimentos produzem.
Ah, Vênus.
É ela quem olha de frente para o Marte na casa da Morte.
Se separa da oposição com o deus da guerra mas caminha para a quadratura
com Júpiter e Saturno. Não vamos desperdiçar com futilidades. Não é a guerra uma
grande futilidade? - ela pergunta.
Os luminares exilam Vênus, ela na décima segunda casa a partir deles.
Vênus exilada na sua própria casa Libra.
Para liberar espaço para o plantio dos alimentos, todas as flores foram
arrancadas e levadas à compostagem para se decompor e alimentar o solo. Bem coisa
de escorpião. Nos jardins, nas estufas, nada mais de flores.
Se fosse hoje, muitas sobreviveriam por terem uma função alimentar. A Virgem -
Ascendente da lunação - segue sendo a queda da Vênus mas o conceito de plantas
comestíveis mudam.
As pessoas que cuidavam desses afazeres, na maioria as mulheres, tinham
muitas medidas de segurança para seguir. O pavor era constante. Uma das medidas
era a vedação completa da casa para que não vazasse nenhuma luz, o que a tornaria
um alvo fácil.
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“Este poster orienta como manter-se seguro durante o “blackout”, o apagar voluntário de todas as luzes como medida de segurança. Com a escuridão, mover-se ficava mais perigoso. A mensagem é: conte até 15 – para que os olhos se acostumem com a penumbra.” |
JÚBILO LUNAR
E por que a Lua está jubilada num contexto bélico?
Porque ela pode nutrir.
Esses jardins foram, nos Estados Unidos, responsáveis pela produção de 40%
dos alimentos desse período. A Lua, pois, foi capaz de nutrir, era ela que estava em
contato com a terra, cuidando dos ciclos, contribuindo para a manutenção da vida e,
não menos importante, contribuindo para a Vitória; ela também leva em si os valores de
Marte.
No sextil com Júpiter e Saturno ela vê o perrengue mas um planeta em
escorpião trabalha com o que tem. Júpiter passa para a Lua a esperança de dias
melhores. A casa 4, a que fala sobre os fins, é dele.
O júbilo da também se mostra também no fato de que muitas mulheres que
foram para o campo trabalhar nas hortas não quiseram voltar para a cidade.
Por fim, a Lua se jubila no resgate da memória. Dois séculos antes as cidades
começaram a crescer, e a trazer muita gente do campo. A indústria já se preocupava
com o abastecimento de alimentos da cidade e se esforçava para desenvolver novos
produtos e investia na pesquisa sobre conservação dos alimentos. A guerra trouxe,
para as pessoas que cultivavam os Victory Gardens, receitas caseiras de plantio (“Está
vendo quando a nuvem vem daquele lado? Vai chover”), da cozinha e de conservação
dos alimentos pois era inadmissível o desperdício.
Atrevo-me a acrescentar: por essas atividades, a Lua jubilada trouxe a memória
para se lembrar de quem é. Bem importante em situações de medo.
CONSERVAS
A colheita é sazonal. Isso está praticamente escrito no rótulo-Ascendente
Virgem do mapa da lunação. Nos lugares muito frios a chegada do outono faz soar
uma sirene silenciosa que avisa que é preciso estocar alimentos, pois faltarão. Nesses
lugares então existem várias técnicas de conserva por isso insisto na transmissão do
conhecimento via casa 3.
Técnicas de preservação de alimento praticamos há milênios. Por exemplo a
secagem, a fermentação (vinho e cerveja são alimentos muito antigos), então surgiram
a imersão dos alimentos em vinagre, mel ou banha, depois apareceram as geleias.
A indústria já produzia as latas para a conserva, mas em casa a gente segue até
hoje utilizando os vidros.
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U.S. War Food Administration, 1944 |
Há na montagem das tortas e das conservas uma oportunidade que aquelas
cozinheiras tinham cultivar a beleza. Não exatamente a beleza da Natureza, que já é
de todos. Penso na Vênus na Libra, nas configurações culturais, naqueles pequenos
cortes longitudinais na cenoura que fazem com que a rodela tenha a imagem uma flor,
que por sua vez pode lembrar a joia que está no esconderijo. Na montagem da
conserva, pois, é possível trabalhar os cortes e a composição, que será vista pela da
parede de vidro. Como os vegetais vão parecer para quem olha de fora?
Resgato para nossa refeição a Conserva para Escorpião, lá do comecinho deste
caminho g’astrológico. Preparada com beterraba, rica em ferro e drama, combinada ao
mistério da hanaume (que é uma conserva salgada da flor de hibisco).
CONSERVA PARA ESCORPIÃO
3 beterrabas
1 cS sal
1 cS açúcar
300 ml de vinagre
50g (peso drenado) de hanaume (não é obrigatório mas é muito interessante)
Ferva o vidro (e a tampa) onde a conserva será guardada.
Corte as beterrabas. Primeiro em fatias finas, então as fatias em juliana.
Desfie as flores da hanaume.
Coloque no vidro, já seco.
Adicione o sal, o açúcar e o vinagre.
Tampe. Agite para dissolver o sal e o açúcar e deixe guardado por alguns dias.
Atenção à logística da refeição: a conserva deve ser preparada alguns dias antes.
Na pressa, corte a beterraba bem fininho para que mais superfície tenha contato com o
caldo ácido.
Conserva Dodô para Escorpião . 2018
PRATO DA LUNAÇÃO
Bem sabemos que a heroína da guerra foi a batata mas o Céu de hoje diz:
risoto. Especialmente porque o risoto demanda controle.
Você deve deixar os ingredientes à mão e ficar perto da panela.
O risoto deve ter sempre a cara próxima do risoto pronto. Você não coloca toda
a água de uma vez e fica esperando evaporar. É através do controle das águas que ele
deve estar sempre cremoso, com pouca água a mais. Como você sabe quando ele
está pronto de verdade? Pelo interior do grão. Escorpião sabe.
Ao mesmo tempo o risoto tem seu ponto específico, e que não espera. Timing é
tudo. Marte está na sexta casa a partir da lunação. É um júbilo seu, mas é uma casa
maléfica, me parece bom cuidar com o ritmo para canalizar o ímpeto desse Marte tão
impulsivo e destrutivo.
Vamos gastar um tanto dessa energia colérica salteando a verdura em fogo alto
antes de juntá-la ao arroz.
Em geral, quando você pretende adicionar folha nos preparos, evite a
desfaçatez de tacar a folha nua dentro de um panelão borbulhante. Normalmente ela
vai desbotar e ficar sem gosto, com aspecto mortiço. Saltear rapidamente deixa a folha
com a cor mais vibrante, ela fica selada e mantém o seu sabor.
RISOTO DE FUNGHI e ERVILHA TORTA SALTEADA
quantidade para duas pessoas comilonas ou três frugais
1 xíc de arroz arbóreo ou carnaroli
1 cS farinha de arroz
½ xíc vinho branco
½ cebola média
Manteiga
Alho
Salsinha
Pimenta verde em conserva (na falta, uma biquinho que é pegadinha no ácido mas não
muito quente)
Pimenta vermelha fresca ou em pó (como a caiena, ou páprica picante)
Verdura escura de preferência amarga como os tempos: eu usei folhas de dente de
leão (nossos Victory Gardens são de PANCs); se você for nas convencionais o
almeirão é bem semelhante. Mas pode ser a que você gosta e tem à mão. Nós
estamos vivendo nossa própria guerra, usa o que tem em casa.
Ervilha torta - ou outro vegetal pra servir salteado, que fique tenro e crocante
Cenoura
laminada é interessante.
25g de de funghi secchi (½ xíc)
6 fatias de maçã desidratada
Deixe de molho em água ou fundo de legumes:
funghi
fatias de maçã desidratada
Você não sabe desidratar uma maçã? Veja como a partir do quarto minuto
deste video.
Não é legendado em português mas as imagens dão as instruções.
Você também encontra as lâminas de maçã no supermercado. Procure na parte de
chás. Ou use uma maçã fresca.
Ela dá ao caldo o sabor umami, que deixa o fundo mais interessante, e ela também é
rica em pectina, que dá corpo ao caldo.
Dica para outras refeições: colocar maçã para cozinhar junto com o feijão ou
lentilha também é muito legal pelo mesmo motivo.
Na hora do preparo, Corte a maçã em pedaços mínimos e o funghi em bocados.
Corte também a metade da cebola em pedaços mínimos.
Tenha à mão o arroz, a farinha de arroz, o vinho; coloque o fundo ou água para
esquentar.
A farinha não precisa ser de arroz, mas se for é melhor porque é uma continuação do
arroz.
Corte a verdura, limpe a ervilha torta, descasque e rale (ou corte finíssimo) o alho.
Enfim, facilita a vida quando for hora de acender o fogo.
Pique ou amasse com a lâmina da faca a pimenta verde; vamos distribuir melhor a
pegadinha marcial irritante dela, é um exagero deixar as bolinhas inteiras.
Gostoso mesmo é fazer risoto com colher de pau ou de silicone. A não ser, claro, que
você queria uma experiência bastante escorpiana de sentir o metal raspando no metal
durante os vários minutos do cozimento do grão.
Fogo aceso, derreta a manteiga e faça suar a cebola. Fogo baixo, segura a pressa
desse Marte. Tempere com sal e pimenta do reino - moída na hora, de preferência. O
sal ajuda a desidratar a cebola. Quando ela estiver translúcida e adocicada acrescente
o arroz e mexa. Acrescente então a farinha. Mexa bem para que tudo fique quente e
besuntado de azeite e manteiga.
Agora sim aumente o fogo para médio. Salgue pouco. A conserva com hanaume é
salgada.
Então deglace com o vinho branco. Ah, esse som! É o som da tensão entre fogo e
água. Difícil pros luminares - fleumáticos e estrategistas - serem dispostos por um
colérico tão impaciente.
A acidez do vinho contribui para a cremosidade do caldo, assim como o movimento
constante.
Quando o vinho aquecer você verá que o caldo engrossa rápido por causa da farinha
de arroz, é um sinal para que a panela não fique descuidada. É uma missão que você
quer, aí está, controlar a água fixa da panela. Acrescente um pouco de fundo de
legumes quente, ou água quente. Acrescente também a maçã e funghi cortados.
Mexa constantemente e quando o arroz secar coloque mais água.
Acenda outra boca do fogão e coloque uma frigideira grande (ou panela bem aberta)
pra esquentar. Então esquente um fio de óleo e salteie rapidamente o almeirão em fogo
alto, com cuidado para não se queimar. Retire e reserve.
Aproveite a frigideira quente, coloque mais um fio de óleo - ou manteiga - e então a
ervilha torta. Depois de um minuto acrescente o alho. Muito cuidado para não queimar
o alho. Logo apague o fogo. Tempere com sal e pimenta vermelha para contrastar com
a pimenta ácida do risoto.
Como está o risoto?
O grão não fica cozidão. Pega um e morde. O miolinho dele deve estar ainda está al
dente.
Quando isso acontecer, apague o fogo e finalize com as folhas saltadas, a salsinha e
manteiga gelada, para emulsionar (ver anexo).
Uma informação que me chegou via casa 3 (alguém me disse que alguém disse, algo
assim) é que devemos consumir um cítrico junto com beterraba, e também com feijão
para que o corpo absorva melhor um certo nutriente. Então finalizo o prato inteiro com
limão. E fica ótimo, une todas as pimentas e contrasta com a manteiga.
De novo, se faltar algum ingrediente, lembre-se: estamos vivendo nossa própria guerra,
usa o que tem em casa.
SOBREMESA
Para sobremesa de preferência desidratada ou em lata, daqueles bem consistentes.
Uma boa goiabada é legal. Se você não conhece as marcas, vamos assim, em busca
da Vênus domiciliada escondida.
LISTA DE COMPRAS
Feira:
Pimenta vermelha fresca - 1 un
Cebola - 1 un média
Beterrabas - 3 un
Alho
Salsinha
Almeirão ou verdura escura
Ervilha torta
Limão - 2 un
Secos e molhados:
Arroz arbóreo ou carnaroli (200g)
Funghi secchi (25g)
Maçã desidratada
Vinagre 300 ml
Hanaume 100g (peso drenado)
Pimenta caiena ou páprica picante se não tiver pimenta fresca
Pimenta verde em conserva
Farinha de arroz
Vinho branco
Manteiga - sugiro a manteiga vegetal Qualicoco
Goiabada de boa qualidade ou outro doce seco ou em conserva
Sal
Açúcar
Vidro para conserva
[texto enviado na data para apoiadores, publicado aqui em 07/12/24]
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