e ela afeta nosso modo de cozinhar e de comer.” [1]
A Lua então, só num fiapinho de luz, encerra a lunação de Touro. Começamos pelas naturezas mortas, lidando com a materialidade, passamos pelo Fluxus, onde toda ação seria considerada uma performance. Agora a gente pode continuar nessa linha, indo para o desenho industrial, e olhar para os nossos utensílios observando suas formas, sentindo o peso do seu material, e a engenhosidade das soluções que eles oferecem. Afinal, entramos em uma lunação mercurial, e Mercúrio é engenhoso. No texto que acompanhou o menu da Lua Cheia, juntei um trecho em que Robert Graves conta como, no seu primeiro dia de vida, o pequeno Mercúrio inventou a lira, a partir da casca de tartaruga, fabricou os sapatos de casca de orvalho amarrado com grama trançada para as vacas, para ocultar suas pegadas que denunciariam o furto do rebanho do Apolo.
Agora, com a Lua encontrando o Sol em Gêmeos, domicílio de Mercúrio. Ele mesmo em Gêmeos, a apenas um grau de distância do Sol — combustíssimo, os cabelos em chamas como Curupira, e andando “para trás” como Curupira — e, portanto, ainda mais inquieto. Pode querer falar falar falar, e falar com as mãos, e que as ideias passem pelas mãos, que produzam objetos, soluções.
Em dois momentos breves a situação de combustão muda: no encontro de Lua e Sol no grau 19°, a Lua eclipsará o Sol, limitando a sua luz a um anel solar. O outro momento é à noite, quando a Lua estiver já no grau 26°, o próprio Mercúrio entrará na frente do Sol, se iluminando, se purificando. Se você desejar, esse sim é um momento de conexão, e não o momento do eclipse. Você pode oferecer palavras, ele gosta. Ele gosta de linguagens em geral. Das 17.40h às 02.26h com o ápice, Mercúrio no mesmo grau e minuto do Sol, às 22.06h.
Nosso menu tem uma puxada bem latino-americana, com batata, tempero mexicano, o molho de abacate ensinado pelo amigo peruano; dos bijús de milho farei os cabelos de Curupira (só, formato, sem fogo!) e oferecerei a ele, protetor das nossas florestas, e que tem tido bastante trabalho ultimamente. Também no menu feijão e macarrão pra ele se sentir acarinhado e forte. Força, Curupira! E esperteza, como sempre!
Invenções na cozinha
Quando a gente olha para a nossa subestimada cozinha caseira, vê dezenas de invenções. De alguns desses objetos engenhosos você nem conhece todas as funções. Quer ver?
Como o mapa da lunação tem o Ascendente em Câncer, penso no pote. Com ele, a possibilidade de cozinhar os ingredientes em água, por um tempo longo, que trouxe novas misturas dos sabores, novas texturas e facilitou a digestão de certos alimentos.
“Se você encontrasse apenas água fria, como lhe ocorreria a ideia de aquecê-la para cozinhar? A água e o fogo são opostos – inimigos, até. Se você tivesse passado horas preparando uma fogueira – colhendo lenha, esfregando pedras,empilhando gravetos –, por que poria tudo em risco aproximando água do seu precioso fogo? Para nós, com nossas bocas de fogão fáceis de reacender e nossas chaleiras elétricas, ferver é uma atividade muito prosaica. Estamos acostumados com as panelas. Mas cozer na água quente não devia parecer um próximo passo evidente para quem nunca o tinha feito.”[2]
Nesse trechinho a autora fala das bocas de fogão fáceis de acender; em outro trecho do livro ela conta que por séculos, quando se cozinhava naquelas lareiras abertas enormes, muitas mulheres morriam porque, além do ambiente confinado, fumacento e quente, imagine lidar com o fogo e panelas com aquelas saias de mil panos?
Lembro que quando comecei a lida em cozinhas profissionais fiquei horrorizada com a dólma de tecido oxford, que é um material sintético e inflamável; e desconfortável, pois suarento. Claro que hoje em dia, como podemos escolher o material das nossas roupas, essa situação segue estúpida, mas certamente pareceu menos grave do que as saias das mulheres ali roçando o fogo, se oferecendo às suas lambidas. Nesse ambiente de Marte, a maioria dos cozinheiros eram homens, “quase sempre, e não raro trabalhavam nus ou apenas com a roupa de baixo, por causa do calor escaldante. (...) É fácil esquecermos que a tecnologia da cozinha ainda é uma questão de vida ou morte. Os dois mecanismos primários da culinária – cortar e aquecer – são repletos de perigos.”[3]
Não é só aí que Marte entra na cozinha; grandes invenções como o forno microondas e o inox são a xepa da industria bélica.
E outras técnicas que já existiam foram aperfeiçoadas por ela, como as conservas e suas embalagens.
Outra dualidade, e Harmonia
Várias invenções vêm da guerra e chegam à cozinha, ao prazer.
Na casa I do mapa ascende do Céu outra dualidade: o amor e a guerra. Vênus e Marte.
Na Astrologia, vemos que os signos são locais de exílio do outro: Touro e Libra, domicílios de Vênus, são o exílio de Marte; Áries e Escorpião, signos de Marte, são o exílio de Vênus.
Na mitologia, eram amantes e tiveram uma filha, chamada Harmonia. O professor de mitologia Carlos Moreno lembra que apesar de soar incoerente o amor e a guerra terem uma filha chamada Harmonia, nós humanos somos essa harmonia, temos guerra, temos amor em nós, e é o que mostra também o mapa natal de cada um, todos nós temos Vênus e temos Marte.
Curupira também tem visivelmente essas duas forças atuando: o amor aos animais, à mata, e, para defendê-los, é necessária a presença de Marte. Curupira também é famoso por sua característica mercurial.
CASA XII
Dédalo
Dédalo foi um humano engenhoso da mitologia grega e que também conheceu de perto alguns eventos de casa XII.
O primeiro que sabemos: a inveja. Aquele sentimento supostamente vergonhoso, ultrajante e, por isso, secreto. A casa XII é o destino do que a gente quer varrer pra debaixo do tapete. E tem muito a ver com o caráter de prisão, e de auto sabotagem, já que o que você esconde te aprisiona, você não é mais livre para agir sem cuidar para não deixar escapar algo comprometedor; e de auto sabotagem porque às vezes essa sujeira cresce, vira um monstro pronto para dar o bote e escapar.
Dédalo era um ferreiro, e inventor, admirado em Atenas. Recebeu seu sobrinho como aprendiz e o jovem se mostrou um ótimo aluno. Até demais. Começou a também ser admirado pelos seus conterrâneos e em Dédalo nasceu aquela minhoquinha verde e um dia, não mais suportando a situação, assassinou o sobrinho.
Então Dédalo vive outra situação bastante notória na Astrologia: o exílio.
Em Creta, ele trabalhou para o rei Minos.
“Conta-se, por exemplo, a história do grande Minos, rei da ilha-império de Creta no período de sua supremacia comercial: diz-se que ele contratou o celebrado artista-artesão Dédalo para conceber e construir um labirinto, no qual esconderia algo de que o palácio tinha vergonha e, ao mesmo tempo, medo. Pois havia um monstro na propriedade que a rainha, Pasífae, havia dado à luz. Diz-se que Minos, o rei, andava às voltas com importantes guerras destinadas a proteger as rotas comerciais; enquanto isso ocorria, Pasífae havia sido seduzida por um touro magnífico, branco como a neve, nascido do mar. Na verdade, o que ocorrera não era pior do que aquilo que a própria mãe de Minos, Europa, havia permitido que ocorresse anteriormente: fora levada para Creta por um touro. O touro era Zeus, e o honrado filho resultante da sagrada união era o próprio Minos na época respeitado e alegremente servido em toda parte. Como poderia Pasífae, nessas circunstâncias, ter sabido que o fruto de sua indiscrição seria um monstro — uma criança de corpo humano, mas dotada de cabeça e de cauda de touro?
A sociedade condenara amplamente a rainha; mas o rei não desconhecia sua parcela de culpa. O touro em questão havia sido enviado pelo deus Posêidon, há muito tempo, quando Minos lutava com os irmãos pelo trono. Minos havia afirmado que o trono era seu, por direito divino, e havia pedido ao deus que enviasse um touro do mar, como um sinal; ele havia selado suas orações com a promessa de sacrificar o animal imediatamente, como uma oferenda e símbolo de submissão ao deus. O touro aparecera e Minos tomara posse do trono; mas quando percebeu a majestade da besta que havia sido enviada e pensou que poderia ser muito vantajoso possuir um tal espécime, ele decidiu arriscar-se a uma troca comercial — com a qual, ele supunha, o deus não se incomodaria muito. Tendo oferecido ao altar de Posêidon o melhor touro branco que possuía, Minos juntou o touro enviado [pelo deus] ao seu rebanho.
Mas, internamente, a rainha havia sido levada por Posêidon a apaixonar-se loucamente pelo touro. E ela havia conseguido que o artista-artesão contratado pelo marido, o incomparável Dédalo, construísse uma vaca de madeira em que a rainha entrou ansiosamente; e assim o touro foi enganado. Ela deu à luz seu monstro, que mais tarde, passou a ser um perigo. Então Dédalo foi chamado outra vez, desta feita pelo rei, a fim de construir um impressionante labirinto, com passagens ocultas, para esconder a coisa. A invenção foi tão engenhosa, que o próprio Dédalo, ao terminá-la, só encontrou o caminho para a saída a duras penas. Aí foi instalado o Minotauro; daí por diante, ele passou a ser alimentado com grupos de rapazes e moças, levados como um tributo pelas nações conquistadas no âmbito do domínio de Creta.”[4]
Isso acontecia até que Teseu se dispôs a entrar no labirinto e matar o Minotauro. Ele se juntou ao grupo dos jovens que seriam sacrificados e, ao se apresentar no palácio, Ariadne, filha de Persífae e Minos, se apaixonou por ele e ofereceu sua ajuda.
“Ariadne procurou então a ajuda do habilidoso Dédalo, cuja engenhosidade havia construído o labirinto e havia permitido que sua mãe desse à luz o seu habitante. Dédalo lhe deu simplesmente um rolo de fio de linho, que o herói visitante deveria prender à entrada e ir desenrolando à medida que entrasse no labirinto. Na verdade, precisamos de muito pouco!
Mas, se não tivermos esse pouco, a aventura no labirinto não nos dará esperança. Esse pouco está ao alcance da mão. É muito curioso que o próprio cientista, que, a serviço do rei pecador, foi o cérebro criador do horror representado pelo labirinto, possa servir, com a mesma prontidão, aos propósitos de liberdade. Mas o herói-coração deve estar disponível. Durante séculos, Dédalo representou o tipo do artista-cientista: aquele fenômeno humano, curiosamente desinteressado e quase diabólico, que está além das fronteiras normais do julgamento social, dedicado à moral da sua arte, e não à moral do seu tempo.”[5]
imagem daqui |
Menu
Instruções em labirinto
Além das receitas, pensei que seria de ajuda descrever o processo todo, porque eles podem se entrelaçar, e, justamente, achei bonita a ideia de um preparo estar no forno, no congelador ou reservado, enquanto outra está no rolê da cozinha, como os gêmeos da mitologia, que se revezam entre a terra e o Hades.
Agora que escrevi desconfio que, ao contrário, essa tentativa de ajuda possa causar algum pânico. Considerei coerente manter assim, já que o pânico mora na casa XII. Para dar conta do pânico geminiano vale muito juntar o corpo às ideias, e é o que faz quem cozinha.
Então dê uma lida antes, e lembre-se: algumas coisas podem ser preparadas com antecedência se você preferir. A massa dos cookies pode ser preparada e moldada, só faltando assar; o feijão pode ser cozido e temperado e, se quiser ainda use um feijão já pronto. “Tem aquele pote de sorvete com feijão no congelador?” lembra Saturno que, ao mesmo tempo que engraçadinho, lembra que no pote de sorvete nem sempre tem sorvete, ou seja, nem tudo na vida são moranguinhos.
O vídeo com instruções dos hash browns toca a casa XII de quem tá cozinhando, por conta de uma ameaça: se você não deixar o tempo certinho no fogo a sra. Jenny vem te pegar!
Eu coloquei até o temporizador porque não brinco com essas coisas de XII, mas meu fogão é bem forte, e fiz na frigideira de ferro, então na metade do tempo o cheiro avisava que estava no limite. Tive virar a panquequinha. Na próxima tentei me redimir, usei fogo mais baixo, o tempo foi um pouco maior mas ainda estou correndo risco de receber a visita da sra. Jenny!
Também é comum tomar uma pequena porção e fazer vários de uma só batata. Eu gosto aqui da ideia da grande — porque é mais difícil de comer — pra gente pensar as ferramentas. Garfo? Mãos? Será que precisa da faca? Você pode enrolar e chuchar no molho de abacate. Ou você prefere passar o molho sobre o hash brown? Com uma faca ou uma colher?
Justamente, o que proponho aqui é pensar em utensílios: usar pelo menos colher e garfo, pra prestar atenção no que escreveu o Gustavo Barcellos[6]: a colher como a conchinha que acolhe e sustenta o líquido, o garfo como o que espeta, que distancia o alimento que poderia ser comido com as mãos.
Se você for cozinhar o feijão, deixe de molho na véspera, em bastante água. No dia. escorra o feijão e coloque para cozinhar em água nova com uma folha de louro.
Comece a sobremesa. Prepare a massa e enquanto ela congela deixe separadas as batatas, o ralador, a bacia, as toalhas de papel. Reserve. O menu será todo assim: enquanto um preparo está no Hades o outro está no rolê da cozinha.
A ideia, em resumo, é que o forno aquecido receba primeiro os cookies e para aproveitar o calor a caçarola. E que a caçarola esteja no forno enquanto você come a entrada.
Não se preocupe, há muitas pernas braços e cabeças pra trabalhar!
Vamos deixar à mão o que vai na caçarola canceriana. Um escondidinho seria óbvio e certo mas vamos deixar escondidinho são os temperos. O tempero caseiro confortativo do feijão será mesclado com sabores incomuns a ele, gosto de pensar que o tempero caseiro será inspirado pela gigantesca casa XII.
Se quiser já faça a misturinha dos temperos e evite vários potinhos e suas tampas soltas estorvando a mesa, o balcão na hora da bagunça.
Será que o feijão está cozido? Apague o fogo para sair a pressão, deixe preparada a panelinha com o tempero básico: óleo, sal e alho. Não acenda o fogo até que a panela de feijão esteja destampada.
Enquanto sai a pressão, coloque na panela a água para cozinhar o macarrão, pegue os tomates e aquele garfo velho que pode manchar.
Abro aqui minha gaveta e mostro meu garfo exclusivo de descascar tomates. Meu gadget. Eu uso bastante por isso a situação dele é de dar pena. Mas quero recomendar que você use um que não te magoe se ele ficar manchadinho, e principalmente, um que tenha um cabo de material que não seja condutor de calor, porque é fácil um distraído queimar a mão nesse processo. Marte está angular, não vacile!
Panela de feijão destampada, acenda o fogo da frigideira do tempero, deixe dar aquela leve fritadinha no alho e coloque sobre ele uma concha do feijão com bastante caldo, mexa e jogue tudo na panela de pressão. A gente quer o feijão com caldo, de preferência grossinho. Deixe ele ali na maciota e vamos aos cookies.rótulo de cookies, pré-Dodô ainda <3 |
Feira
tomates 2 un grandes
abacates 2 pequenos (600g)
alho 2 dentes pequenos
limões 2 un
batata 600g
Secos e molhados
toalha de papel
óleo vegetal
leite vegetal 60g
açúcar cristal 50g
açúcar mascavo 60g
extrato ou essência de baunilha
farinha de trigo 190g
aveia em flocos 25g
bicarbonato de sódio
fermento em pó
chocolate 50% 150g
chocolate em pó
macarrão curto de grano duro
feijão branco 1 xíc
farinha de milho biju (opcional)
especiarias:
pimenta do reino preta
canela em pó
pimenta caiena
gergelim
orégano
páprica defumada
[texto enviado na data da lunação para apoiadores, publicado aqui em 05/01/25]
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