09 setembro 2019

Lua em Aquário - A crase não foi feita para humilhar ninguém.



                 Quatro planetas em Virgem e o amor pela ordem. A busca pela perfeição . Virgem dá domicílio e exaltação a Mercúrio e isso traz inquietude, muitas vezes até algum apego a picuinhas. Mercúrio é deus da língua, e olha a nossa portuguesa-brasileira, que linda! Tudo tão específico, lapidadíssimo, mil regras e suas exceções, mil línguas mães, a maleabilidade dos 'dialetos'... uma frase bem construída impressiona e deixa virgo satisfeito.

                 O céu quase todo virginiano de hoje está filtrado pela Lua em Aquário, a Lua que lembra a frase do Ferreira Gullar. - "A crase não foi feita para humilhar ninguém." (texto aqui)

                 Uma frase bem construída é bonito, mas se sentir superior por isso já á outra história. Aquário divide a água do conhecimento divino com os homens, não faz sentido a gente usar o conhecimento para se afastar do outro.
                 Na cozinha também tem bastante isso. A história dos pratos, as técnicas, dão valor a eles (vou deixar um exemplo abaixo). Mas surtar quando alguém comete uma gafe culinária, ui.
                 Hoje proponho um exercício de soltura. É o seguinte: ferva bastante água em uma panela de uns 20cm de diâmetro. Pegue na mão um punhado de espaguete; observe que o macarrão não cabe na panela. Perceba que, se quebrado ao meio, cabe direitinho; Aquário e Virgem são signos ligados à racionalidade então não pule essa etapa, ela é essencial! Deduza que é uma ótima ideia quebrar ao meio. Não quebre em muitos pedaços, ao meio já é ótimo - o Céu está virginiano, não sejamos assimétricos!
                 Pode servir com garfo e faca. Você vai perceber que o espaguete inteiro também é mais fácil de comer, e que mais uma vez a tradição tem seus porquês. Virgem e Aquário dão as mãos. Mas aí está, você cometeu um ato revolucionário: quebrou o espaguete e o prato ficou bom, apesar de imperfeito!! Vai me dizer que não se sente mais leve?



"SPAGHETTI

     Não existiam os spaghetti, ao menos com esse apelido, antes de 1800. Filhos evidentes das tujje ancestralíssimas, por séculos eles se chamaram genericamente vermicelli ou vermicellini, de acordo com a dimensão do seu diâmetro. A tradução não estimula o apetite. Vermicello, no singular, quer dizer, 'pequeno verme'. A História, todavia, justifica o nome.
     Além das trujje normais, aquelas de fios longilíneos enrolados em novelos, na Sicília de 1200 se comiam também as espatifadas em pedaços pequeninos. Nada se devia desperdiçar. Por piada, uma anedótica similaridade, os cacos foram batizados de vermiceddi, no dialeto local.
     Depois, ao redor de 1480, algum sábio meridional bolou um instrumento formidável, o arbitriu, basicamente um cilindro de madeira com uma prensa mecânica por dentro e uma série de orifícios na ponta inferior. Com o arbitriu se faziam massas novas, mas também se recuperavam os vermiceddi, recomprimidos e transformados de novo nas trujje. Tratava-se, porém, de um casamento de matérias mal-aproveitadas, de uma adaptação. E assim, pioneiríssimo na defesa do consumidor, o honesto inventor do arbitriu decidiu batizar o seu produto de vermiceddi di trujje ou de trujje bastarde, uma iguaria sem paternidade oficial. O tempo e o espraiamento da pasta pela Itália inteira se encarregam de fabricar uma infinidade de corruptelas, das quais sobreviveram os vermicelli. Um versejador campano, Antonio Viviani, utilizou pela primeira vez o mote spaghetto em 1824, num poema cômico, 'Li maccheroni di Napoli', em que comparava o vermicello a um piccolo spago, um barbante miúdo. Uma inspiração de obviedade mais atroz do que chamar os restos de trujje de vermezinhos. Viviani, contudo, não criou somente um termo. Em seu poema ele efetivamente modificou o seu próprio dialeto. em Nápoles, então, não se dizia spago ou spaghetto. Barbante era spavo. O seu diminutivo, spavetto. Ironia: a obra do versejador se evaporou, ninguém mais sabe dela fora de sua cidade, enquanto o universo inteiro come os spaghetti."
in: LANCELLOTTI, Sílvio. O Livro da Cozinha Clássica. Porto Alegre: L&M, 1999. pág 120

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