12 novembro 2019

Caput Algol



                 Mais uns passos e a Lua passará pela estrela fixa Caput Algol, a cabeça decapitada da Medusa.

                 A Medusa era uma sacerdotisa de Atená e, portanto, celibatária. Um dia Posseidon a cobiçou e a violou. Sobre isso Junito Brandão escreveu: "A deusa da inteligência [Atena] puniu a Medusa, porque Posídon, tendo-a raptado, violou-a dentro de um templo da própria Atená".
                 Dá até um nó na cabeça mas é isso mesmo: Posseidon violou a Medusa dentro do templo e Atená puniu a Medusa, transformando-a em uma górgona: a cabeça aureolada de serpentes venenosas, presas de javalis, mãos de bronze, asas de ouro. Além de transformá-la em um monstro, colocou sua cabeça a prêmio.
                 Por isso a estrela Algol trata de injustiças, de abuso e de pavor.

                 Hoje a Lua, cheia da luz do Sol em Escorpião, signo marcial, passa por ela. Mas a violência é escancarada e tratada com normalidade. Violação, abuso e injustiça acontecem todos os dias aos animais que nascem aprisionados e etiquetados como se fossem produtos, engaiolados e judiados para servir a vários setores da economia – é inacreditável o alcance da indústria da exploração animal! Inseminação artificial, clausura, espancamento, assassinato; sem falar nos testes de laboratório.
                 No Dodô a gente traz o assunto pra cozinha. Porque afinal tem gente que come isso. E não é raro flagrar que existe um pavor de olhar pra isso e ser petrificado. A começar pelo eufemismo: “Cadê a proteína?” Feijão tem proteína meu querido. “Não, a proteína animal.” É carne que chama né. É perna, é peito, é um pedaço da barriga de alguém.
                 Assim como a Medusa perdeu sua identidade humana para se tornar um monstro, os animais deixam de ser seres sencientes para se tornarem "a proteina", um produto vendido em bandejinhas padronizadas que descaracterizam sua forma original. Funciona. Conheço pessoas que se atracam com um filé mas não comem animais menores, onde você pode perceber o formato o corpo do animal no prato. Esses tempos ouvi alguém dizer que tem pena de comer “bolachinhas que têm olhinhos”. Mas se ela é ciente de onde vem o conteúdo das bandejinhas é uma escolha (e não uma ignorância) considerar o seu prazer imediato acima da vida do outro, como fez Posseidon.
                 Por outro lado é sim apavorante olhar para o que acontece e quem olha não fica igual. Assim, fechar os olhos é uma forma de se proteger de uma nova forma de pensar que confronta com padrões de comportamento fixados. Quando parei de comer animais me senti, por bastante tempo, traidora das tradições familiares, de tantos momentos felizes em volta da churrasqueira. Meu vocabulário era pequeno na época, hoje sei que a churrasqueira aceita tantas coisas deliciosas, cheias de texturas e cores.

                 Deixo aqui o link do filme Terráqueos, aproveitando que todos estão apaixonados pelo Joaquin Phoenix, e se alguém quiser perguntar alguma coisa, pedir dica, receita, tiver dúvida de técnica, ajudo no que puder; não sei tudo, claro, mas a gente procura juntxs. 
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>pintura: Medusa. Rubens, 1618

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